Wout Van Aert, Dylan Groenewegen e Fabio Jakobsen. Em uma semana, o mundo do ciclismo teve provas de que as carreiras de três atletas excepcionais quase foram encerradas precocemente por barreiras inadequadas.
Não é preciso escrever muito para relembrar a todos o tenebroso acidente na primeira etapa do Tour da Polônia, cerca de uma semana atrás.
As imagens e as notícias chocaram atletas e fãs do esporte e transcenderam o mundo do World Tour e foram parar até na TV aberta brasileira (coisa que não aconteceu nem mesmo quando brasileiros foram campeões mundiais – Avancini e Lauro Chaman).
Não é necessário, portanto, nem de bom gosto, colocar replays ou imagens do acidente aqui. Muito se falou (com razão) da condição física de Fabio Jakobsen, ciclista holandês e jovem, muito jovem, da Deceuninck Quickstep. Primeiro, por temores de que ele não sobrevivesse ao acidente. Foram dias tensos, que deixaram até mesmo as corridas, que se realizaram nos dias seguintes, pálidas e menos atrativas. Após as notícias de que ele sobreviveria, a extensão dos danos,o estado em que ele estava e a recuperação foram algumas preocupações que tomaram a mente de todos que acompanharam o caso.
Ao mesmo tempo em que íamos descobrindo respostas para as perguntas sobre Jakobsen, duas outras histórias desenrolavam em paralelo. A de Dylan Groenewegen, o atleta da Jumbo-Visma, também jovem e holandês, que se envolveu (e, sim, causou) o acidente na Polônia, e a de Wout Van Aert, Também atleta da Jumbo-Visma que venceu a Strade Bianche e, no último sábado, a Milan-Sanremo. A ligação entre esses três não é óbvia para muitos, à primeira vista, mas é muito importante para o debate que deveria ocorrer após acidente que chocou a todos.
A começar por Groenewegen, muito se falou sobre ele, sem dúvidas, em tom condenatório, acusando-o até de tentativa de homicídio. Patrick Lefevere, diretor da DQS (Deceuninck Quickstep), equipe de Jakobsen, afirmou ter protocolado uma queixa-crime na polícia polonesa contra o corredor da Jumbo. As mídias sociais e o YouTube estão cheios de mensagens de fãs e blogueiros que criticam e pedem duras sanções a ele, alguns pedem até seu banimento, por toda a vida, do esporte. A UCI (União Ciclística Internacional, órgão máximo do Ciclismo) foi rápida em lançar uma nota responsabilizando-o e antecipando que duras medidas seriam tomadas, ao que a própria Jumbo-Visma anunciou que não escalaria Dylan Groenewegen para nenhum evento até que seja decidida a punição que lhe caberá.
Apesar de não haver dúvida sobre a responsabilidade de Groenewegen no acidente, teria ele responsabilidade sobre a extensão dos danos à Jakobsen? Acidentes são comuns no Ciclismo, assim como na Fórmula 1, na Moto GP, como faltas em jogos de basquete, Rugby, futebol..
Chegadas em sprint talvez sejam a “tempestade perfeita” para esse tipo de acidente. Atletas no esforço máximo de suas capacidades, voando sobre asfalto em bicicletas de 6 ou 7 kgs, a 60-70KM/h, com nada a lhes proteger além de luvas, um uniforme de Lycra e um capacete de isopor. O movimento de Groenewegen também não é incomum em sprints. É contra as regras alterar a linha de arrancada e é corriqueiro ver punições/desqualificações quando há algum acidente, porém os movimentos seguem acontecendo por que, muita das vezes, é algo não intencional, basta um pequeno desequilíbrio e, em poucos segundos, ou menos que isso, tudo acontece.
Então, se o perigo é da natureza da prática do esporte e da disputa em questão, o que deve ser feito para reduzir os riscos? Preparar o ambiente em torno da chegada para receber a disputa. Não se leva um elefante para uma pequena loja de cristais. É simplesmente falta de bom senso. Da mesma maneira, não deveríamos estar assistindo a sprints em descida cercados de linhas de trem, blocos de cimento e barreiras soltas e/ou inadequadas. Foram as barreiras que não puderam minimizar os riscos a que Jakobsen e TODOS os ciclistas que estavam naquele pelotão foram expostos, infelizmente, sendo pior para Fabio, que foi catapultado pelo impacto e pela barreira.
E é justamente outro horroroso acidente com barreiras que nos conecta a Wout Van Aert. Pouco mais de um ano atrás, durante o Tour 2019, na etapa de contrarrelógio (ITT), Van Aert seria interrompido no que estava sendo uma temporada muito positiva. Com bons resultados nas clássicas, duas vitórias em etapa no Criterium du Dauphine (e camisa de pontos) e uma vitória em etapa no Tour daquele ano, ele caminhava para um bom resultado também no contrarrelógio da 13ª Etapa, em Pau, quando, ao fazer uma curva para a direita, sua perna prendeu-se a um gancho da barreira de proteção e rasgou a carne da coxa, jogando-o ao chão e escandalizando os fãs que estavam em volta, que correram para cobrir a cena com faixas de propaganda do próprio Tour.
Foi necessárior imediata para hospital, seguida de cirurgias e enxertos. Wout afirmou que “chegou a temer pela própria carreira”. Foram necessários longos meses de recuperação, um excelente trabalho médico e um tanto de sorte para que ele pudesse chegar ao que vimos nesta semana: 2 vitórias em 2 das corridas mais exigentes do ano–Strade Bianche e Milan-Sanremo.
O ciclismo poderia ter perdido um dos seus grandes talentos, em virtude de um acidente com barreiras. Exatamente como nesta semana em que, por pouco, não perdeu Jakobsen. E, mesmo assim, não sabemos quando e como voltará ao esporte. Da mesma maneira, pode, ainda, perder Dylan Groenewegen. Um jovem ciclista holandês, tal qual o conterrâneo que se acidentou, que já venceu provas importantes e até a etapa da Champs Elysées, encerramento do Tour de France (um sonho para Jakobsen).
Os sprinter da Jumbo deu uma entrevista completamente devastado, em que mostra se culpar pelo acidente e claramente está abalado com o que resultou. Diz que não quer nem chegar perto de uma bicicleta nem tão cedo e, caso um dia o faça, qual será o efeito psicólogico que esse trauma deixará nele? Para sprinters, a força é imprescindível, mas a coragem de disputar essas chegadas é o que define o vencedor ou perdedor. Quando o velocista perde esse ímpeto é o fim da linha.
É arriscado fazer suposições tão próximo ao evento quanto estamos e, felizmente, temos exemplo de um caso de superação e volta por cima em Wout Van Aert para acreditar e torcer pelo melhor para todos os envolvidos. Porém, ao mesmo tempo, cabe a todos (fãs, jornalistas, atletas, diretores de equipe) cobrar à UCI que tome medidas a fim de garantir ambientes de corrida mais seguros. Sabemos que não é simples, nem barato, desenvolver novas barreiras ou implementar outros tipos que sejam mais seguras, porém não faltam casos que apontem para a necessidade de mudança. Não é razoável que qualquer custo seja mais alto que a preservação daqueles que proporcionam o espetáculo.