Como parte do especial de aquecimento para a Strade Bianche, a prova que oficialmente abre a temporada de clássicas 2020, vamos relembrar o que aconteceu nos dois últimos anos, onde tivemos batalhas épicas entre os maiores nomes do pelotão. Começamos por 2018:
Uma edição fantástica que produziu cenas dignas dos anos de ouro do ciclismo. Em um ano que a chuva castigou a região da Toscana, os ciclistas tiveram que rodar por quase 200 km empanados com a lama branca da região e encharcados da cabeça aos pés.
Primeiro, no feminino, Anna Van Der Breggen, depois de estar em um pelotão já reduzido a 25 ciclistas com 20 km para o fim, atacou quando faltavam 16 km pra meta e foi perseguida pela (então campeã) Elisa Borghini,mas teve força para segurar a vantagem e vencer uma prova memorável
Então veio a prova masculina, que era cercada de expectativas. E não decepcionou. Contando com um startlist de peso, tínhamos campeões mundiais (Sagan – estrada e Van Aert – Ciclocross), olímpico (Greg Van Avermaet), um vice campeão do Tour de France (Bardet) e outros.

Num dia difícil e com todos sofrendo, após sobrar em dado momento, Bardet alcançou o pelotão e atacou no setor Sante Marie, sendo seguido por Wout Van Aert, a dupla logo abriu um Gap e foi mantendo uma vantagem, a 45 kms do final

Com o grupo sem definição sobre quem buscaria, Tiesj Benoot contra atacou e Pieter Serry o seguiu, para buscar Bardet e Van Aert que já tinham 40s de vantagem.
Mas Benoot era o mais forte dos dois naquele momento e, com 18 km para o fim, perseguia, sozinho, os líderes
Faltando 16 km para o fim, o jovem belga de 23 anos alcançou a dupla, que então virava trio, mas não por muito tempo. A 12 km da meta, Benoot largou Bardet e Van Aert, criando uma vantagem de 20s, quase instantaneamente e que manteve até o final, conseguindo ainda, abrir até 40″

Atrás, Bardet e Van Aert, que brigavam desde o começo da corrida, tentavam se organizar para buscar o Belga, mas não tinham a força necessária. Isso ficou evidente na subida final — uma monstruosidade de 18% de inclinação máxima — onde Van Aert acabou tendo cãibras, uma cena tão incrível quanto terrível: um tricampeão mundial de ciclocross sofrendo com as pernas travadas numa ladeira. O tipo de sadismo/masoquismo que apenas o ciclista e o fã de ciclismo entendem.
Bardet passa e assegura seu segundo lugar, enquanto Van Aert chega a cair devido à cãibra, mas levanta e consegue chegar em terceiro.
À frente, depois de um esforço sobrenatural, Tiesj Benoot vencia sua primeira corrida como profissional. E com estilo.

2019—O prenúncio de um ano frenético e dos nomes a serem observados
O dia começou, como de costume, com a prova feminina e após uma sucessão de ataques e buscas por diversos times e ciclistas, com 17 kms para o fim, formou-se um grupo fortíssimo de 11 ciclistas, entre elas, Chantal Blaak, a então campeã do mundo (e da própria Strade Bianche)Anna Van der Breggen, a lendária Marianne Vos, Annika Langvad e Niewadoma (ambas do MTB), Ashley Moolman Pasio e Annemiek Van Vleuten.
Com 13kms para o fim, Chantal Blaak tentou escapar e chegou a abrir uma pequena vantagem em dura subida após uma curva
Mas logo ao entrar no setor seguinte de estrada de chão, foi alcançada e então Annemiek Van Vleuten contra-atacou
E abriu o gap necessário para se manter na frente até o fim e vencer a edição 2019 da Strade Bianche e também como Van der Breggen em 2018, vencer o Mundial meses depois.
Já no masculino, Diego Rosa lançou um ataque a 53 quilômetros da meta de um já reduzido grupo de favoritos e conseguiu boa vantagem em pouco tempo.

Mas, atrás, vinham corredores muito fortes e com gregários para ajudar. Fuglsang tinha, a seu lado, Lutsenko e a DQS contava com 3 ciclistas, incluindo Alaphillipe e Lampaert.

Seguiram uma sucessão de ataques e neutralizações, os que estavam sem companheiros para ajudar, tentavam alcançar Diego Rosa e as equipes que tinham mais de um ciclista tentavam manter tudo controlado enquanto buscavam o italiano que estava na ponta da prova
Foi preciso um trabalho conjunto de Decenuninck Quickstep, Astana e Scott para o grupo alcançar o ciclista da Sky que estava escapado, mas quase 20 quilômetros depois, a fuga de Rosa acabava

Atrás, Schachmann, da Bora, tentava, sozinho, encostar na frente da prova e seu movimento ainda rebocou um ciclista da Katusha

Porém, no momento em que eles conseguiram alcançar os líderes da corrida, Fuglsang lançou um ataque, pois estavam entrando nas fases finais da prova e o dinamarquês sabia que ali estavam em subidas íngremes que podem definir o vencedor

O movimento de Fuglsang logo foi marcado por Wout Van Aert. Outro que também sabia que qualquer fuga ali pode ser muito difícil de ser alcançada.

Ao ver que ninguém mais conseguiria acompanhar os dois e que seu companheiro de time (Lampaert) não seria capaz de neutralizar o ataque de Fuglsang, Julian Alaphillipe deu conta de se juntar aos dois ciclistas que escapavam do grupo e assim formar um trio extremamente forte para definir a vitória

Daí em diante, começou uma sucessão de ataques do ciclista da Astana, para tentar rodar solo e assim garantir a vitória. Demorou, mas em outra sessão de cascalho, Wout Van aert não foi capaz de acompanhar os outros dois

Daí até o fim, foi uma disputa constante entre Fuglsang e Alaphillipe, algo que veríamos se repetir por toda a temporada. Fuglsang atacava e Alaphillipe marcava e chegou a lançar alguns contra-ataques, mas nenhum foi capaz de largar o outro. Atrás, sozinho, Wout Van Aert não desistiu e buscava desesperadamente os líderes. E ele conseguiu! Mas bem próximo à bandeira vermelha, que sinaliza o quilômetro final (a flamme rouge).

Ali, Van Aert não tinha muita alternativa, era tentar seguir no próprio ritmo até o fim e torcer para que os outros não fossem capaz de alcançá-lo, o que, para a tristeza dele, aconteceu e os três entraram juntos nas curvas e subida final

É exatamente nessa subida que muitas das vezes se define o vencedor. Pela natureza da dificuldade da corrida, é quase certo de que chegam aqui trios ou duplas para disputar a vitória. Jamais um pelotão chegou aqui inteiro. E começa uma disputa mental de quem ataca primeiro e consegue se distanciar.

Fuglsang e Van Aert sabiam que Alaphillipe era o mais forte dos três no Sprint então, para vencer, tinham que largá-lo na subida. O corredor da Jumbo,após buscar os líderes sozinho, já não tinha mais pernas (apesar de desta vez, não ter cãibras como no ano anterior). Coube então a Fuglsang atacar e dar sua última cartada pela vitória

Mas o francês estava atento e tinha ainda energia para contra-atacar e foi assim que Julian Alaphillipe, estreante na Strade Bianche, venceu e ganhou a primeira das inúmeras disputas que os dois travaram por toda a temporada 2019.

Alaphillipe venceu, Jakob Fuglsang foi segundo e Wout Van Aert, novamente, ficou em terceiro lugar.
Todos os três tiveram uma temporada estelar, com Alaphillipe ainda vencendo a Milan Sanremo, etapas do Tour de France e liderando a camisa amarela até a terceira semana. Fuglsang ganhou a Liège-Bastogne-Liège e o Criterium du Dauphiné e Wout Van Aert venceu etapas e contrarrelógios, até seu acidente no Tour.
E hoje, como será?