Pelotão em meio a nuvens de poeira, ciclistas enfrentando lama, sol, subidas, chuva e um final épico. Roubaix? Flanders? Não, Strade Bianche. Pouco mais de dez anos e fãs para se comparar aos grandes eventos da temporada. Muitos consideram essa corrida como o sexto monumento. Outros, mais tradicionais e conservadores, afirmam que faltam longevidade, prestígio e (ainda mais) distância para considerar a comparação com as gigantes. Quem tem a razão? O que é um monumento? E por que essa jovem corrida atrai tanta atenção e divide opiniões?
O ciclismo respira tradição. Suas corridas centenárias são chamadas de “clássicas”. As maiores, dentro as clássicas, chamam-se de Monumentos. Existem apenas 5 eventos que recebem esse título. Paris–Roubaix, Tour de Flanders, Liege–Bastogne–Liege, Milan–Sanremo e Il Lombardia.
Corridas históricas, com mitologias próprias, setores exclusivos e vitórias lendárias…ganhar só uma dessas é comparável a vencer grandes voltas ou o mundial (Há, inclusive, quem considere o mundial menos importante que as monumentos).
Existem algumas características que as monumentos partilham entre si e que as fazem ganhar essa classificação, como por exemplo:
– Ter mais de 250 quilômetros de percurso;
– Ter edições marcantes e grandes disputas;
– Ter diferenciais para as outras clássicas e até características únicas (o final de velódromo da Paris-Roubaix, os 320KM da Milan-Sanremo..);
– Ser uma corrida extremamente exigente e difícil até para completá-la; e
– Ser disputada há bastante tempo.
Então, como a Strade Bianche poderia chegar a ter tal prestígio?
A prova é recente, mas a origem dela é “antiga”. A “heróica” (como é chamada) nasceu em 1997, como um granfondo, uma corrida recreativa pra bicicletas retrô nas estradas de chão da região de Siena. E o nome da corrida significa exatamente isso: Strade Bianche ou, traduzindo, “Estrada branca”, fazendo referência aos trechos característicos de terra branca batida (mais de 60Km) que compõem a prova, intercalando-se com trechos de asfalto. Com as várias subidas, o terreno acidentado faz dela uma das corridas mais frenéticas e difíceis do calendário. Mesmo sendo mais curta que os 5 monumentos, tendo “apenas” 184kms, são exatamente os trechos de gravel/terra batida que aumentam muito a dificuldade e tornam essa corrida tão divertida de assistir.
Dez anos após seu início, o que era uma diversão pra os apaixonados amantes do ciclismo, o granfondo virou corrida profissional e, em 2007, teve sua 1ª edição.
E não demorou para que ela passasse a ser uma das queridinhas dos atletas e do público. Em 2008, em seu segundo ano, o maior campeão da prova até hoje, venceu a sua primeira e chamou atenção para prova. Fabian Cancellara, um classicômano e contrarrelogista suíço e um dos ciclistas mais vitoriosos da sua era é o maior vencedor da prova com três títulos. E a sua primeira vitória foi o start para que atletas e patrocinadores começassem a olhar com bons olhos a prova que era, no mínimo, especial e diferente.
A partir de 2008, a prova passou a ser disputada em março, mês das clássicas de primavera, atraindo os grandes nomes. Aliás, o rol de campeões da Strade Bianche, é quase todo de grandes ciclistas.
De campeões olímpicos e mundiais a voltistas e classicômanos, todos parecem ter chance na Heróica.
E ela faz jus ao nome, pois as batalhas são sempre memoráveis e as vitórias heróicas, de fato.
Como não lembrar de Sagan vs. Kwiatkowski em 2014, ano em que Kwiato seria campeão do mundo e Peter Sagan venceria seu primeiro mundial logo no ano seguinte.
Ou a vitória de Zdenek Stybar contra Greg Van Avermaet em 2015, (que ganharia o ouro olímpico um ano após, no Rio) e que ainda tinha Alejandro Valverde no grupo que formou a fuga vencedora daquele ano
Ou a despedida do maior vencedor da prova, Cancellara, ganhando em 2016 contra dois ciclistas da Etixx-Quickstep (Stybar e Brambilla).
E as míticas edições de 2018 e 2019 que serão aprofundadas em outro post especial como contagem regressiva para a prova desse sábado, mas que foram simplesmente imperdíveis, como toda edição dessa corrida.
Afinal, onde mais você vê um tricampeão mundial de ciclocross caindo de lado com cãibras numa ladeira?
E que prova seria mais capaz de resumir a temporada 2019 que essa, já mostrando que veríamos duelos homéricos entre Alaphillipe e Fuglsang?
Talvez falte mesmo longevidade à heróica. Nunca tivemos gigantes como Merckx, De Vlaeminck, Coppi, Bartali, Hinault e outros disputando-a, infelizmente. Seriam, com toda a certeza, histórias hipnóticas. Entretanto, mesmo com poucas edições (ao menos para os padrões do ciclismo), essa corrida, que começou como uma ode aos feitos dos ciclistas lendários do passado, vai se estabelecendo como um evento único no calendário.
Com seus trechos de cascalho branco, pode ser até chamada de Paris-Roubaix da Itália. Suas edições inesquecíveis, seus setores já bem reconhecidos e recorrentes, sua chegada duríssima, resultados sempre imprevisíveis e inúmeros fãs, talvez seja questão de tempo para que ela ganhe similar nível de importância frente aos monumentos ciclísticos. Independentemente do status, fato é que qualquer apaixonado por ciclismo sabe bem que é um evento imperdível e geralmente marca o início da temporada
E sejamos sinceros, quem nunca teve vontade de meter a bike de estrada num estradão de terra batida depois de uma prova dessa?
A Strade Bianche acontece neste sábado, com transmissão na ESPN2 a partir das 11:50h e a prova feminina estará no ESPN play a partir das 10:10.
Fique ligado!