Esses dias me perguntaram como seria legal ver mais crianças participando de competições esportivas, não só no ciclismo, mas em todos os esportes, já que isso é super divertido e geralmente abre as portas para que os futuros adultos tenham um hábito agradável de se exercitar por prazer e não “apenas” para emagrecer e coisas do tipo. Para escrever esse texto, procurei pesquisar importantes fontes e também busquei rever experiências pessoais que deram certo, nas quais eu percebi que o ciclismo e outros esportes ao ar livre podem, realmente, mudar a vida de uma criança.
Muitas pessoas me questionavam, quando eu era adolescente, por que raios eu havia decidido começar a andar de bicicleta. Para mim era uma coisa natural, além de ser divertido, me possibilitava ir e vir na cidade sem depender de ninguém, o que já me dava alguma autonomia aos 12 anos de idade com a minha Caloi aro 24, mas a pergunta que as pessoas realmente queriam saber era: por que você decidiu competir? Ai sim está a pergunta que os brasileiros deveriam se fazer, não só no ciclismo, mas em todos os outros esportes, já que a participação das pessoas, e principalmente das crianças e adolescentes, nas competições é muito baixa, quando comparamos com países desenvolvidos, é quase um tabu. E, por incrível que pareça, o problema não é a indisponibilidade financeira, mas sim a cultura. Vou provar por quê.
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O alto rendimento de um país em grandes eventos como os Jogos Olímpicos, traz à tona a bagagem cultural de uma nação e também mostra que as pessoas que moram naquele país também têm oportunidades de ganhar a vida nos esportes, o que acaba movimentando muito a economia (poiso esporte gera empregos, aquece o turismo, marcas e produtos novos aparecem, etc), e esses resultados são, em grande maneira, advindos dos estímulos que as crianças têm.
Em países tradicionais no ciclismo, como a Bélgica, a França e a Itália, grandes clubes de ciclismo estimulam a participação das crianças no esporte, desde pequenos. Quando essa galera chega aos 15 anos de idade, eles já possuem uma grande bagagem de treinamentos, técnicas e também de ferramentas mentais que os possibilitam a trabalhar sob pressão e a enfrentar os stress da vida cotidiana a partir da vivência das competições. Alguns decidem seguir a vida no esporte, e são esses que vemos nas grandes competições, outros vão usar o que aprenderam para ser bons em outras áreas, e com isso, só há ganhos nesses estímulos.
Agora, você deve estar se perguntando: não nasci na Bélgica, não tive apoio, mas como posso incentivar outras pessoas a fazer o que eu descobri que é legal em uma idade mais tardia? É simples, e a primeira dica é: dê o exemplo! Isso é um tanto quanto óbvio, já que se alguém cresce vendo os pais ou parentes próximos praticando esportes, ou mesmo se essa criança sentir que isso seja algo importante e valorizado, isso pode ajudar a construir um sentimento bom sobre aquela atividade.
Dois motivos de que “dar o exemplo” é importante foram a resposta que o campeão da Strade Bianche desse ano, Tiesj Benoot, deu ao repórter que lhe perguntou por que ele virou ciclista profissional, e ele disse: pois meu pai gostava muito de assistir as provas e de pedalar, e seguir no esporte nos fez mais próximos! A campeã da Cape Epic desse ano, a multitalentosa Kate Courtney, da equipe da Specialized (e formada na Stanford University), também foi incentivada pelo pai, que a levava para pedalar de Tandem* pela região rural da Califórnia, nos EUA. Hoje ela é a principal ciclista do MTB norte-americano!
#Dica 1: Dê o exemplo!
Apesar da #Dica 1 ser boa, considero a #Dica 2 ainda mais importante, pois dar o exemplo por si só pode não ser o bastante! Conheço vários amigos que pedalam forte, treinam muito, mas não tem a paciência de dar uma pedalada tranquila com o filho ou levá-lo para fazer uma trilha, pois estão sempre focados e querendo melhorar mais e mais. A questão é que para alguém (de qualquer idade) gostar de um esporte, essa pessoa precisa descobri-lo com as próprias experiências e no seu próprio tempo. Ou seja, o acompanhamento de alguém é importante e esse apoio pode gerar frutos em outras áreas da vida, pois gera confiança e fortalece o emocional, fazendo com que o esporte seja um vetor de transformação do comportamento.
Para ficar mais claro, imagine uma criança que não tenha a atenção necessária dos pais, a tendência é que ela fique estressada, desatenta e desenvolva vários problemas comportamentais, mas quando os pais estão presentes, seja para conversar, seja para praticar uma atividade lúdica ou esportiva (como jogar bola ou levar para pedalar), essa criança se sentirá muito melhor, terá mais confiança em si. Como dizia a filósofa francesa Simone Weil, a “atenção é o mais puro ato de generosidade”. E transforma vidas!
#Dica 2: Estimule, mas tenha paciência!
Mas ainda não expliquei como, e nem por que, toda essa história de praticar o ciclismo ou o MTB (que ainda é o mais popular em muitos lugares no Brasil) seria importante para a “meninada”. Além do óbvio fato de que praticar esporte seja benéfico para a saúde física e mental, participar de atividades competitivas ajuda as pessoas a lidar com a pressão e a encontrar ferramentas para lidar com momentos estressantes.
Seria como dizer que os atletas têm uma habilidade mental que os diferencia, ou seja, eles são capazes de decidir rápido e a tomar medidas que não poderiam ser feitas nas atividades cotidianas, isso pode ajudar uma pessoa em muitas áreas. Todavia, atingir esse nível de excelência só é possível com muito preparo e dedicação. O escritor britânico Malcolm Gladwell (autor do livro: Outliers: The Story of Success), que descobriu que o sucesso por trás de grandes personalidades, como Bill Gates e os Beattles, foi que eles precisaram de algo em torno de 10.000 horas de preparação em ensaios e programação, respectivamente, para se tornarem os melhores em seu ramo.
No esporte a “Lei” das 10mil horas também vale, e assim a prática leva à perfeição! O ponto que eu quero chegar é: as crianças não devem ser pressionadas a dar resultados, pois isso só vem no longo prazo, o esporte pra elas deve ser, acima de tudo, divertido! Os resultados não importam ali, o que vale é o desenvolvimento humano, que deve ser visto com esperança! A esperança de que uma modalidade como o ciclismo pode ajudá-los a serem pessoas melhores, isso já seria um motivo suficiente para incentivar alguém a fazer qualquer coisa.
#Dica 3: Tenha esperança!
Um outro ponto super importante é o ambiente em que as crianças e os adolescentes estão inseridos, pois muitas vezes esperamos alguém fazer algo por nós, mas podemos fazer muito coletivamente, ou seja, podemos montar grupos para pedalar, associações e muitas outras formas de iniciar as crianças no ciclismo/MTB com a galera da idade delas, isso as motiva muito. Grandes exemplos que temos aqui no Brasil são a escolinha do Lar Nossa Senhora da Aparecida, que já revelou, e continua revelando, grandes talentos, como o atual campeão brasileiro de MTB-XCO Luiz Henrique Cocuzzi, além do projeto do pólo olímpico do SEST-SENAT de Rio Claro, ambos no estado de São Paulo.
Além disso, quando ouço alguém dizer que o preço das inscrições são altos demais, sempre digo: reúna os amigos e faça a sua própria competição (o que em muitos lugares aqui no Brasil as pessoas estão chamando de “Rachão”), e isso também vale para os pequenos que estão começando. Junte os amigos que pedalam e organizem provas para as crianças e para os adolescentes, são eventos tranquilos de se organizar e se houver uma associação para fazê-los seria ainda mais fácil, mas se não houver não tem problema, tudo é possível quando há boa vontade! 😉
#Dica 4: Mude a realidade, não espere!
Bom, pessoal, por hoje era isso. Se vocês tiverem boas experiências em como incentivar os pequenos a fazer esporte e a perder o medo das competições, compartilhe com a gente!
Vamos disseminar as coisas boas! Até a próxima!
*Tandem: bike para duas pessoas.
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