O site inglês da ESPN fez, em 2017, uma entrevista com técnicos da equipe africana Dimension Data. Os entrevistados foram a Dra. Carol Austin, chefe de suporte ao desempenho, e o treinador da equipe, Dr. Jon Baker.
Separamos algumas perguntas que mostram o que é necessário fazer para ser um ciclista profissional (World Tour – nível mais alto do ciclismo mundial) e o que os tornam capazes de disputar provas de 3 semanas percorrendo 3.500 Km em 21 dias.
1. Quão difícil é ser um ciclista profissional capaz de disputar o Tour de France?
Todo ciclista capaz de fazer o Tour de France possui um talento físico fora do normal. Não acredito que haja outro esporte que exija tão alto nível de condicionamento físico e mental.
Esses atletas são preparados para trabalhar em um nível elevado de dor. Os percursos das provas são altamente exigentes em termos de distância, duração, subidas, descidas e muito perigo, além de, em alguns casos, enfrentarem condições climáticas extremas.
Para enfrentar tudo isso esses ciclistas precisam, antes de mais nada, adorar o que fazem, se não for assim eles não seriam capazes de fazer o que fazem. É extremamente difícil.
Além de ser difícil eles precisam enfrentar riscos. Se você tem medo, é improvável que você seja bem sucedido. Cada ciclista assume os riscos com base em suas habilidades e experiência.
Para ser um sprinter, por ex, é preciso ter talento físico, inteligência tática e ser extremamente destemido. O risco de um acidente é alto e quando isso acontece no meio de um pelotão a mais de 60 km/h, as chances de ferimentos graves é grande.
2. O que torna um velocista/sprinter tão especial?
Todos os ciclistas que enfrentam o Tour de France são, principalmente, atletas de resistência. Ser um atleta de resistência é imprescindível para ser um bom sprinter, porque antes de finalizar uma etapa de 200 Km em um sprint onde se tem que gerar um pico de potencia, esses atletas primeiro precisam passar cinco, seis horas em uma corrida. Portanto é preciso também saber economizar energias.
Um dos pontos principais para finalizar bem uma etapa é ter uma posição aerodinâmica diferenciada.
Um estudo de 2013 do cientista esportivo italiano, Paolo Menaspa, mostrou que, se um ciclista pode reduzir seu arrasto aerodinâmico, através de sua posição durante o sprint, em 10%, ele pode ter um aumento de velocidade que equivale a uma vantagem de 3m em um sprint de 14 segundos.
Com as disputas de sprints sendo conquistados ou perdidos, na maioria das vezes, por uma diferença de centímetros, a posição aerodinâmica claramente é um grande trunfo.
Menaspa também destacou a importância das táticas da equipe, especificamente o posicionamento do velocista e seus companheiros nos últimos quilômetros (o famoso trem de embalada tão bem executado por algumas equipes).
O ideal para qualquer sprintista é ter, pelo menos, dois companheiros de equipe que o levem até os últimos metros e assim ele consiga, com ajuda de sua posição aerodinâmica, vencer seus rivais.
Menaspa analisou 31 etapas que terminaram em sprint durante as grandes voltas (Tour de France, Giro da Itália e Vuelta a Espanha), entre 2008-2011 e concluiu: Nenhuma vitória foi conquistada por velocistas que estavam no último minuto da prova depois da nona posição. Da mesma forma, também não houve vitórias de velocistas que estavam fora dos seis primeiros nos últimos 30 segundos da prova.
Para finalizar, um bom sprintista precisa trabalhar bem com sua equipe, confiar nos seus companheiros e, também, quando as coisas não acontecem perfeitamente, ser capaz de se virar sozinho, sabendo tomar as decisões certas no momentos certos.
3. Para quem está começando no ciclismo, o que é necessário para se tornar um atleta profissional?
Se você não fez grandes provas até os 22 anos a probabilidade de conseguir seguir uma carreira profissional é algo muito difícil. Para se atingir o mais alto nível do esporte é preciso começar cedo competindo em provas aprovadas pela UCI.
Em 2016, a equipe Dimension Data Continental foi criada para apoiar o desenvolvimento de novos atletas. Essa equipe é composta por dez pilotos africanos, que são predominantemente sub 23. Desenvolvemos esses atletas durante um período de dois a quatro anos usando uma base científica, abordagem progressiva, bem como corridas na Europa.
Quando identificamos um talento, verificamos seu perfil fisiológico e seu histórico nas provas européias. Provas européias são muito mais longas e difíceis que os eventos locais e nós estamos à procura de ciclistas que possam enfrentar o mais alto nível de competição.
Se você fez esse tipo de prova e foi bem, então você precisa conseguir uma oportunidade em uma equipe Pro-Continental ou World Tour. Isso antes do final de sua carreira sub 23.
Ser um profissional exige níveis elevados de disciplina e compromisso em uma fase da vida em que a maioria dos jovens ainda está curtindo a vida sem responsabilidades. A verdade é que para um ciclista que pensa alcançar o profissionalismo do mais alto nível mundial não há quase tempo para festas durante o ano – talvez duas ou três semanas no final da temporada.”
4. Que tipo de treinamento exige o Tour de France?
Resumindo, para disputar uma prova de 3500 km, um ciclista primeiro precisa ser capaz de treinar essa distância. A partir dos 18 anos, nossos ciclistas sub 23 anos começam treinando cerca de 1.800 km/mês e vamos aumentando com objetivo de que eles treinem 2.500 km/mês. Para correr no nível World Tour, é preciso que ele treinem em média de 2.500 km por mês.
Falando em horas: com 18 anos de idade, nossos ciclistas treinam algo em torno de 60 horas/mês. Essas horas vão aumentando para chegar em algo entre 80 a 100 horas/mês para nossos atletas da equipe World Tour. Isso significa, em média, cerca de 1.000 horas ou entre 28.000 e 32.000 km por ano.
5. É apenas fazer quilometragem?
Existe também a adaptação física e depois o conhecimento sobre eficiência e táticas.
Eficiência significa saber gerir seus esforços para que seja possível ir até o final das provas.
A eficiência é algo que se desenvolve ao longo do tempo. Os ciclistas mais experientes usam o fluxo do pelotão sem praticamente utilizar força por 15 a 25% de uma corrida. Eles antecipam e respondem aos acontecimentos de uma prova diminuindo a exigência de esforço.
Em contraste, os jovens, devido ao mal posicionamento, medo de perder o pelotão, falta de experiência em subidas e descidas, tendem a gastar mais energia.
Outro resultado da falta de experiência e que prejudica o desempenho dos novos atletas é a falta de alimentação e hidratação.
Não há como fazer grandes quilometragens se não há boa alimentação/hidratação durante e também posteriormente aos treinos e provas. Só assim para ter uma recuperação adequada para os outros estímulos que virão dia pós dia.